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sexta-feira, 30 de julho de 2010

PROSEANDO


O Causo de Leopoldina


O causo que agora conto a vocês há muito é conhecido por quase toda gente da Chapada e me foi passado por meu avô Alípio Vieira na presença de seu compadre Faustino Boca de Mula. Conto para que sirva de exemplo a toda moça prendada de família e não com a intenção de mexericar, porque, nas bandas de cá, homem que é homem, que se dá o respeito, não anda alcovitando em orelha alheia.
Aconteceu nos idos de 1965, nas paragens da cidade de Rui Barbosa, cidade do sertão baiano famosa pelas fazendas e briosa de sua carne do sol de dois pêlos. Terra situada aos pés da Serra do Orobó, onde morava o finado Pipo Oliveira Amorim, quem realmente presenciou os acontecimentos que ora transmito a vocês e contou ao meu avô.
Conforme relato de tão fidedigna fonte, toda parcela masculina da cidade de Rui Barbosa tinha olhos para a jovem Antônia Leopoldina Gusmão e Gouveia. Sobrenome pomposo de antiga e tradicional família da região, que, por culpa das secas sazonais e da jogatina em que se embrenhara o seu patriarca Nozinho Gouveia, havia reduzido a sua fortuna a uma casa estilo colonial cujos inúmeros quartos agora faziam parte de uma pousada que mais se assemelhava a uma pensão. Leopoldina era cortejada por todos e a todos negava os seus dotes pessoais. Era moça invejada e imitada; de inigualável formosura, de modos elegantes e andar e olhar de felina no cio.
Pipo Amorim contou ao meu avô que no mês de outubro de todos os anos, a pretexto das comemorações do dia da padroeira do Brasil, acontecia a mais concorrida festa da região, a Festa da Saudade. No dia 12, a cidade de Rui Barbosa se enchia de orgulho de receber em seu mais distinto clube social as mais ilustres e civilizadas famílias das cidades circunvizinhas. A pomposa solenidade era tão aguardada que todas as butiques chiques – ali instaladas para atender aos bem informados e antenados descendentes dos coronéis – mandavam trazer do Rio e de Salvador o que havia de mais moderno em peças de vestuário e bijuteria. Não é à toa que, mesmo vivendo um período de crise econômica nacional, os citadinos se endividavam com gosto para posar com roupas e sapatos inéditos na sua festa maior. Ainda mais naquele ano em que Dona Maria Birro Doida, organizadora do festejo, havia encerado e decorado ao estilo clássico grego todo o salão do clube para a comemoração dos 20 anos de Festa da Saudade.
Como naquela época Rui Barbosa era ainda a cidade mais desenvolvida dos arredores, um número grande de viajantes passava por lá em busca de pouso e negócios. É aqui que se apresenta o outro importante personagem desse causo. Etevaldo Santos Silva, vulgo Caburé – alcunha que lhe foi emprestada por causa do seu porte físico raquítico, cabeça achatada como a da ave de rapina e por causa de seus costumes notívagos –, era um caixeiro viajante bastante requisitado na cidade e frequentador assíduo da pousada dos Gusmão e Gouveia. Assim como todos os outros detentores de porções de testosterona subutilizadas, Caburé via a jovem Leopoldina como um troféu a ser conquistado e decidiu partir para a luta assim que arriou as malas na cidade e viu a morenice provocadora da moçoila. O negociante jurou a si mesmo que não pouparia esforços e pratas para garantir o êxito de tal empreitada.
Na pousada, como quem não queria nada, com um papo rasteiro e despretensioso com a moça que mal lhe dava ousadia, Caburé descobriu que a mesma estava desgostosa da vida. O motivo: não poderia prestigiar a tão badalada festa, já que não conseguira descolar da mãe os contos de reis necessários para adquirir o ingresso, vestir tão fabuloso corpo e calçar seus refinados pés.
Já que na guerra e no amor vale tudo, pensou o caixeiro, gasto tão elevado assim poderia depois ser contabilizado como investimento se conseguisse ser o acompanhante da mais cobiçada das donzelas da cidade. Então, de pronto, saltou de sua boca o convite para custear as despesas da senhorita, caso assentisse ser o seu acompanhante.
– Quem o senhor pensa que está cortejando – disparou Leopoldina com ar ferino e nariz agora arrebitado. – Não se dê o desplante de tal oferta. Não vê que jamais seria uma acompanhante de um valdevinos como o senhor?
Caburé se recolheu ao mais profundo dos poços da vergonha, mas não se deu por vencido, afinal de contas, desde que se viu homem feito, cabra macho, filho de seu pai Zé Nastácio, mulher nenhuma havia lhe desprezado de tal maneira e, ao mesmo tempo, lhe despertado tamanha fissura. Agora era questão de honra, ou amansava a potranca ou jamais retornaria a Rui Barbosa. Passou toda a semana insistindo, até que, quando já se dava por vencido, dois dias para a festa, no último lance de insistência, Leopoldina assentiu com a cabeça, ruborizando e deixando Caburé alucinado de alegria.
Até hoje, ninguém daquela cidade sabe quais as razões que levaram tão linda moça a realizar tão infame companhia. Alguns dizem que ela só se dispôs a isso porque seria a única a chegar ao clube conduzida em um Galaxi que fora alugado por Caburé naquele mesmo dia. Outros preferem acreditar que o miúdo vendedor era portador da mais afiada lábia e que a sua condição e treino no ramo das vendas lhe facilitaram a conquista.
O que se desenrolou após a triunfal chegada ao clube pouca gente da região nos tempos de hoje há de não ter ouvido falar.
Leopoldina, passando a torniquete da entrada do salão, exibindo o mais luxuoso vestido entre as mulheres, desprendeu-se da mão de Caburé e se refugiou no camarote das prestigiosas amigas também moças de família de Rui Barbosa, deixando o seu parceiro totalmente deslocado no meio do clube. Danças e mais danças ocorreram e nada do caixeiro viajante ter a sua recompensa por dispendiosos gastos. Foi então que lhe ocorreu a mais doce e nojenta das vinganças. Prostou-se diante dos pés de Leopoldina em meio às suas refinadas amigas e a implorou que o concedesse pelo menos uma única dança como forma de cumprir com o acordo. De muito adular e para não despertara a curiosidade dos presentes em volta da moça, conseguiu que esta se levantasse para dançar uma música que já se encontrava pela metade. Arrastou-a bem ao centro do salão e, quando já findavam as notas musicais, o mascate disparou uma sequência de peidos que ressoaram tão forte que todos os convidados olharam na direção do casal. Neste ínterim, Caburé, agilmente, afastou-se de Leopoldina dando dois passos para trás e, com ares de ultrajado, gritou bem alto: “Carniça! Carniça! Já não bastasse a comida acebolada da pensão da tua mãe, você ainda quer me matar de vergonha bufando aqui desta maneira?!”.
O tempo passou e Pipo Amorim disse ao meu avô que não se ouviu notícias de Etevaldo Santos Silva, a não ser que ele se estabeleceu comerciante e tem 5 filhos na próspera cidade de Itaberaba, que hoje é a maior cidade da Chapada Diamantina. Sabe-se também que, após o ocorrido, nunca mais havia retornado a Rui Barbosa, agora cidade decadente e de poucas realizações.
Quanto a Pôdinha, apelido que Leopoldina recebera a propósito de seu nome e do acontecimento nos inesquecíveis 20 anos da Festa da Saudade, qualquer um pode encontrá-la manhã, tarde e noite esquentando os cotovelos em uma das bases das janelas de sua casa, usufruindo de pensão do INSS que conquistou fazendo favores libidinosos aos políticos e poderosos da região.

sábado, 5 de junho de 2010

PROSEANDO



A FELICIDADE É UMA MERDA

No intervalo que separava suas nádegas do chão, encontrava-se um vaso de cor creme e com o tampão quebrado que o seu pai o presenteara quando havia casado pela segunda vez. Gostava de estar ali. Sentia-se bem. Isso é o que no fundo importava... Costumava frequentar aquele local todos os dias, horas a fio, deleitando-se com o singelo e singular prazer de experimentar a frigidez daquele vaso.Era lá que as grandes idéias brotavam - até mesmo aquela da campanha sobre calcinhas transparentes que a sua agência de publicidade tinha utilizado para abocanhar o prêmio de um concurso entre empresas do ramo. Era onde podia fantasiar; coçar o sexo; olhar-se de baixo pra cima através do reflexo da água; arrancar, com cautela, é verdade, aqueles pêlos que preenchiam o espaço em torno do anel que existia entre as maçãs de sua bunda e que teimavam em crescer. Era onde podia ler o diário da semana anterior sem que ninguém o repreendesse; fazer de conta que não tinha noção da contaminação que sofria pela água do vaso que espirrava circularmente com a queda de um bolo fétido, amarelado e amorfo, que sempre se desprendia com algum esforço e custava-lhe algumas gotas de suor e uma face contraída. Enfim, sentia-se um rei-momo no carnaval, um semideus em seu próprio universo, quando, entre quatro paredes, se isolava do restante do mundo. Mas algo estava lhe incomodando. De uns três meses pra cá, não demorava mais que meia hora em sua reserva de inspiração. Tudo por culpa de um ser estranho, que, anteriormente, pensava conhecer bem. Logo nos momentos em que seu pinto decidia-se por ganhar alguns centímetros, um som irritante de chinelos arrastados e algumas batidas fortes na porta eram seguidos de um lembrete: "Ande depressa, senão nós vamos perder o horário do trabalho.". A sua juventude toda sonhou em compartilhar o mesmo espaço com outrem, todavia, sabia agora que isso não valia para todo lugar e muito menos para todas as pessoas. Aquela voz incansável e cansativa, que mais parecia um berro e que o deixava mal-humorado todas as manhãs, lembrava a da sua falecida mãe, que o impedia de jogar pelada com os vizinhos no tempo que, ainda moleque, morava no interior. Aquela não era mais a voz da jovem que o fazia imaginar mil posições numa cama redonda de motel na beira de uma estrada. Daquela que, só de ouvir, percebia seu coração injetar sangue nos vasos da sua genitália - que apelidara, carinhosamente, de Bizunga.O tempo, quem diria, havia pregado uma peça nele! Contudo, este mesmo tempo lhe dotaria de sabedoria e paciência para solucionar o problema que se lhe apresentava. Numa certa madrugada, ainda quando as primeiras fagulhas emitidas pelo sol rompiam o céu escurecido, ao passar a mão corriqueiramente no lado esquerdo da cama, sua esposa não sentiu a presença dele, muito menos a de Bizunga, que, naquele horário do dia, ficava esguio como uma escova de banheiro encostada no cantinho da parede. Ocorreu-lhe, então, que, durante toda a noite, não sentira aquela perna cabeluda e magra entre as suas. Decidiu procurá-lo pela casa. Aí, quando fincou os pés diante do banheiro, pôde entrever por baixo da porta a sua sombra imóvel e, ao se aproximar, sentiu um mau-cheiro que se assemelhava ao de um defunto em estado de putrefação. O susto não a impediu de empurrar a porta e registrar, sem piscar os olhos e boquiaberta, o marido todo melado de uma pasta que, com o tempo, assumira uma cor marrom, que continha em relevo caroços de feijão levemente deformados. Para sua surpresa, o marido tinha um semblante marcado por uma felicidade jamais vista durante a vida conjugal. Afinal, o Alceu estava todo cagado e feliz! Ao ser solicitado a prestar contas sobre o ocorrido, desabafou: "Esta cagada foi pelos dias que interrompeste minha concentração, pois, na noite anterior ao nosso casamento, quando confidenciamos os nossos mais íntimos segredos, ouviste de minha boca que a minha maior aflição era a prisão de ventre que carrego desde a meninice. Porém, parece que não se lembras deste detalhe. E agora me deixes só para que eu comemore o final de uma semana de comichão, dores e gases sufocados. Vai-te embora e ao menos não se esqueça de bater a porta do banheiro, pois, esta noite toda não corresponde sequer ao tempo que me obrigaste a sair às pressas do meu assento amado. Aliás, é bom lembrar, foi a única coisa que, apesar da sua frieza, me permitiu ficar por cima todo este tempo, sem falar um ai, e que se manteve durinha, sem languidez ou celulite.".

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Xico Sá: adoro este cara

PROSEANDO


ASSIM EVOLUI A HUMANIDADE


Eles eram mais fortes e adaptáveis. Ah, isso eles eram! Eu só acreditei meses depois do grande estouro. Tinham, de um modo geral, as mesmas características aparentes da nossa raça, mas, qualquer um podia ver e perceber que eles eram superiores naquele mundo que surgiu após a grande luz que incendiou os céus.
O grande estouro ou a grande luz foi uma coisa que aconteceu depois de muitos avisos de alguns especialistas que sempre apareciam na tevê no horário do jornal El Pueblo para amedrontar todo o povo. Eles diziam que a qualquer momento o mundo poderia ser todo retalhado e furado como queijo suíço se houvesse um confronto entre as desenvolvidas potências mundiais. Que as armas nucleares poderiam ser tão letais e fatais que poucos seres sobreviveriam à detonação do arsenal que os governos haviam construído a partir da economia do dinheiro dos impostos cobrados do seu povo.
A minha mulher, que era professora de Biologia antes da grande luz e do grande estouro, me falou que o orçamento de alguns governos era basicamente destinado para o fabrico de armas nucleares. Que muitos deles empobreciam o povo famigerado para enriquecer urânio e plutônio. Eu achava que ela falava demais bem na hora que eu chegava cansado do trabalho e só queria assistir ao meu jornal. Coitada! Dela não tenho mais notícias depois da grande luz incendiadora de corpos e lares.
O tempo em que eu e a minha mulher vivemos juntos foi muito bom, mesmo ela falando demais. Ela falava de ciência, de liberdade, de casamento aberto, de corrupção... Parecia até que tinha resposta pronta para tudo. Muitas coisas eu assimilava e outras não. Eu não entendia, por exemplo, porque ela não acreditava que existia um deus criador de todas as coisas. Ela me respondia falando de um assunto complicado chamado evolução das espécies, de um certo Darwin, que ela pronunciava daruin. Era muito complicado para eu entender porque, como tinha dito a ela, na minha escola adventista a professora falou desse assunto bem rapidamente e disse que isso era maluquice. Ainda me lembro dela toda risonha disparando: “quem já se viu uma loucura dessas. Como um homem pode evoluir do macaco? Se fosse assim, os macacos estariam se transformando em homens até hoje!”. Tenho a impressão de que até minha pró não entendia direito a tal teoria.
Agora, diante de tudo o que vejo, diante de tudo ou quase nada que sobrou nas ruas da minha cidade metropolitana, compreendi claramente o que seria a evolução das espécies.
Eles são muito diferentes de nós, apesar de serem iguais na aparência. Eles são uma nova espécie que foi se formando ao correr dos anos nas periferias da minha cidade, nos subúrbios franceses, nos centros deteriorados de São Paulo e Nova Iorque, nas estreitas ruas da Cidade do México e por quase todos os lixões dos centros urbanos do mundo. Eles sempre foram vistos como inferiores. Ah, que engano o nosso, que nos achávamos superiores a eles porque nos vestíamos com casacos aveludados, usávamos mocassins encerados e passeávamos ao redor da praça La Emancipación nos dias de domingo após a missa matinal e o almoço no Baby Beef chileno. Meu Deus, quanto descaminho rumo ao enfraquecimento!
Quando detonaram a primeira das milhares de bombas e os mísseis de médio e longo alcance começaram a riscar os céus como foguetes da festa de Nuestra Señora de Santiago, todos correram desesperados em busca de abrigo para aquela nuvem de fumaça incandescente que se espalhava rapidamente pelas ruas e se alojava em nossos pulmões. Milhões, bilhões de pessoas morreram rapidamente com o fogo que ardia em sua pele. Outras morreram alguns dias depois com sangue brotando dos seus poros. Outras tantas, assim como eu, adquiriram câncer e estão morrendo aos poucos de dor, frio, medo e fome.
Contudo, eles estão por aí. Eles, que durante milhares de anos se sujeitaram a dormir na intempérie, que foram humilhados por nossa bonança, que tiveram seus lares despedaçados – quando não confiscados pelos governos por falta de pagamento de impostos. Eles, que comeram o alimento podre dispensado das geladeiras de inox e recheado de chorume nos lixões, agora se tornaram os senhores deste mundo que ora deixo me contorcendo de dor.
Sim, uma mudança lenta e significativa estava acontecendo bem ali ao alcance dos nossos olhos e não enxergamos nada. A evolução da espécie humana se deu em nossos bolsões de miséria e não pudemos diagnosticar, muito menos imaginar. Logo aqueles indivíduos que retiravam a paz do nosso sono nas madrugadas geladas de nossa capital foram escolhidos pelo nosso bom Deus para dar prosseguimento à evolução. Meu Deus, como poderíamos saber que aquele viver tão sofrido poderia esconder algo de bom e a salvação? O mal-estar contínuo dos desnutridos e despossuídos alterou seu código genético e até mesmo a sua fisiologia. E nós, logo nós, que éramos tementes ao senhor e que não atrasávamos um dia sequer o pagamento dos nossos impostos, estamos todos condenados à extinção.
Meu Deus, só agora compreendi: é assim que evolui a humanidade.

XICO SÁ É UM JORNALISTA SERTANEJO E POETA DOS RELACIONAMENTOS