Portal Para Possíveis Realidades Paralelas

OUTRAS REALIDADES PODEM EXISTIR! CRIE A SUA...


















sábado, 5 de junho de 2010

PROSEANDO



A FELICIDADE É UMA MERDA

No intervalo que separava suas nádegas do chão, encontrava-se um vaso de cor creme e com o tampão quebrado que o seu pai o presenteara quando havia casado pela segunda vez. Gostava de estar ali. Sentia-se bem. Isso é o que no fundo importava... Costumava frequentar aquele local todos os dias, horas a fio, deleitando-se com o singelo e singular prazer de experimentar a frigidez daquele vaso.Era lá que as grandes idéias brotavam - até mesmo aquela da campanha sobre calcinhas transparentes que a sua agência de publicidade tinha utilizado para abocanhar o prêmio de um concurso entre empresas do ramo. Era onde podia fantasiar; coçar o sexo; olhar-se de baixo pra cima através do reflexo da água; arrancar, com cautela, é verdade, aqueles pêlos que preenchiam o espaço em torno do anel que existia entre as maçãs de sua bunda e que teimavam em crescer. Era onde podia ler o diário da semana anterior sem que ninguém o repreendesse; fazer de conta que não tinha noção da contaminação que sofria pela água do vaso que espirrava circularmente com a queda de um bolo fétido, amarelado e amorfo, que sempre se desprendia com algum esforço e custava-lhe algumas gotas de suor e uma face contraída. Enfim, sentia-se um rei-momo no carnaval, um semideus em seu próprio universo, quando, entre quatro paredes, se isolava do restante do mundo. Mas algo estava lhe incomodando. De uns três meses pra cá, não demorava mais que meia hora em sua reserva de inspiração. Tudo por culpa de um ser estranho, que, anteriormente, pensava conhecer bem. Logo nos momentos em que seu pinto decidia-se por ganhar alguns centímetros, um som irritante de chinelos arrastados e algumas batidas fortes na porta eram seguidos de um lembrete: "Ande depressa, senão nós vamos perder o horário do trabalho.". A sua juventude toda sonhou em compartilhar o mesmo espaço com outrem, todavia, sabia agora que isso não valia para todo lugar e muito menos para todas as pessoas. Aquela voz incansável e cansativa, que mais parecia um berro e que o deixava mal-humorado todas as manhãs, lembrava a da sua falecida mãe, que o impedia de jogar pelada com os vizinhos no tempo que, ainda moleque, morava no interior. Aquela não era mais a voz da jovem que o fazia imaginar mil posições numa cama redonda de motel na beira de uma estrada. Daquela que, só de ouvir, percebia seu coração injetar sangue nos vasos da sua genitália - que apelidara, carinhosamente, de Bizunga.O tempo, quem diria, havia pregado uma peça nele! Contudo, este mesmo tempo lhe dotaria de sabedoria e paciência para solucionar o problema que se lhe apresentava. Numa certa madrugada, ainda quando as primeiras fagulhas emitidas pelo sol rompiam o céu escurecido, ao passar a mão corriqueiramente no lado esquerdo da cama, sua esposa não sentiu a presença dele, muito menos a de Bizunga, que, naquele horário do dia, ficava esguio como uma escova de banheiro encostada no cantinho da parede. Ocorreu-lhe, então, que, durante toda a noite, não sentira aquela perna cabeluda e magra entre as suas. Decidiu procurá-lo pela casa. Aí, quando fincou os pés diante do banheiro, pôde entrever por baixo da porta a sua sombra imóvel e, ao se aproximar, sentiu um mau-cheiro que se assemelhava ao de um defunto em estado de putrefação. O susto não a impediu de empurrar a porta e registrar, sem piscar os olhos e boquiaberta, o marido todo melado de uma pasta que, com o tempo, assumira uma cor marrom, que continha em relevo caroços de feijão levemente deformados. Para sua surpresa, o marido tinha um semblante marcado por uma felicidade jamais vista durante a vida conjugal. Afinal, o Alceu estava todo cagado e feliz! Ao ser solicitado a prestar contas sobre o ocorrido, desabafou: "Esta cagada foi pelos dias que interrompeste minha concentração, pois, na noite anterior ao nosso casamento, quando confidenciamos os nossos mais íntimos segredos, ouviste de minha boca que a minha maior aflição era a prisão de ventre que carrego desde a meninice. Porém, parece que não se lembras deste detalhe. E agora me deixes só para que eu comemore o final de uma semana de comichão, dores e gases sufocados. Vai-te embora e ao menos não se esqueça de bater a porta do banheiro, pois, esta noite toda não corresponde sequer ao tempo que me obrigaste a sair às pressas do meu assento amado. Aliás, é bom lembrar, foi a única coisa que, apesar da sua frieza, me permitiu ficar por cima todo este tempo, sem falar um ai, e que se manteve durinha, sem languidez ou celulite.".

11 comentários:

Cesar Carneiro disse...

Muito boa. Parabéns pela irreverência e riqueza de detalhes! Lembrei daquela expressão usada no Teatro. Quando as pessoas iam ao teatro de carruagem a quantidade de merda (de cavaloa) em frente ao teatro era diretamente proporcional ao tamanho do público. “Muita merda pra vocês” passou a significar desde então no teatro, algo como sucesso. Seguindo essa tradição posso considerar a crônica de Beckaum como uma Boa Merda e desejar muitos acessos ao seu blog.
[b][red]Cesar Carneiro

Carla Palmeira disse...

Becken, agradecemos o comentário e seja sempre bem vindo. Louca história de como nos conhecemos...acredito que seja uma sugestão para o próximo texto.rsrrs
Bjs
Uma TPM

b. disse...

rsrsrs... To rindo até agora. Vo dar uma passada por aqui sempre pra ver o que tem de novo!

um beijo prof!

Unknown disse...

"Em terra de cego, caolho é rei." Caminhar e sondar o chão por onde passam pensantes loucos é uma oportunidade de exercitar o poder e a capacidade humana de reflexão. Nesta atual conjuntura de valoração da beleza, da mídia, da rapidinha e do efêmero, o ditado popular ganha novo sentido: "em terra de ignorante, pensante é gente". Desejo mais momentos de ócio e menos atividades "brochantes mentais". Valeu, pela oportunidade de conhecer a sua produção cultural. OBS: só não consegui ouvir Xico Sá, procuro depois no YouTube e vou procurar o filme: Admirável mundo novo.
O acervo de loucuras é uma ótima opção de entretenimento. Anita Gil.

Andrea Dora disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Andrea Dora disse...

Há pessoas que também fazem previsões para o futuro, olhando e decifrando o contéudo do vaso sanitário, rsrsrsrrsr.
Becken, o Copromanta......

Anônimo disse...

Uau! Pensei que estava lendo Machado de Assis! A ironia, o humor ácido, o realismo ao falar do cotidiano...
Texto muito bem produzido.
Fico admirando a sua versatilidade em escrever. Vários estilos, sendo bom em todos eles.
Ganhou uma fã!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Becken disse...

Rs, você me encheu a bola, Sheilla. Obrigado.