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quinta-feira, 11 de julho de 2013

O PODER NA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA(por Beckenbauer Souza Simas) A argentina Esther Diáz, ao procurar fazer um cruzamento analítico entre a vida de Foucault e sua obra em A filosofia de Foucault (2012), coloca como epígrafe do capítulo primeiro do livro uma afirmação do próprio filósofo: “cada um de meus livros pode ser lido como um fragmento de autobiografia”. Analisando a trajetória intelectual e a vida de Michel Foucault, Diáz se depara com alguém que se pergunta como fazer da própria vida uma obra de arte. Onde terminaria a vida e onde começaria a arte na vida deste autor? Para ela, a obra foucaultiana poderia ser dividida em três fases distintas e interligadas: a arqueológica, a genealógica e a ética . Cada uma destas fases possui uma estreita ligação com as experiências de vida de Foucault: da sua educação escolar católica permeada por restrições, da rejeição do pai e dos problemas de ordem relacional que o levaram à marginalização por causa da sua opção sexual, até as intervenções médico-psicológicas por razão das tentativas juvenis de suicídio, existem várias imbricações entre o que foi vivido e o que foi abordado por Foucault. Fica claro que as relações – essencialmente de poder – que manteve com outras pessoas, grupos e instituições podem ter influenciado sobremaneira os seus estudos sobre temas como o saber, a disciplina, a escola, a repressão, o biopoder, o hospital etc. A questão do poder em Foucault assume uma capilaridade que drena quase que toda a sua obra – mesmo que só apareça de forma implícita na fase arqueológica, em História da loucura, Nascimento da clínica e As palavras e as coisas . Segundo Albuquerque (1995), não se pode falar em uma teoria do poder em Foucault, visto que, quando “trata de maneira mais sistemática do poder, Foucault prefere falar em ‘precauções metodológicas’, ‘regras’, etc., e nunca em teoria.” (p.105) . Quando ele trata do poder, pode-se dizer que diverge da maneira tradicionalmente pensada pelo Ocidente a partir da modernidade, isto é, sob um viés hobbesiano – o que ele denominou de poder-soberania, onde há uma explícita divisão de papéis entre a figura do soberano (que poderia ser uma pessoa, o estado, a nação etc.), representando o centro detentor do poder, e seus súditos, os que são desprovidos da capacidade de obter obediência, de impor seu ponto de vista e vontade ou que são improváveis de influenciar um comportamento alheio. O poder pensado no sentido foucaultiano é um poder sem rei, sem uma fonte de onde ele emerge e se propaga. Na introdução de Microfísica do Poder (1998) intitulada “Por uma genealogia do poder”, Roberto Machado, um dos seus mais respeitados interpretes, esclarece que para Foucault os poderes não estão situados ou instalados em lugar específico algum, antes disto, eles funcionam como uma rede de dispositivos a que nada ou ninguém escapa. Para Machado, “(...) o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existem de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe, existem sim práticas e relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona.” (p.XIV). Uma análise mais detalhada sugere que o estudo genealógico do poder é uma ruptura com a maneira tal como a ciência política vinha se debruçando sobre este tema. Importa a Foucault reconhecer que o poder não é algo que, conforme uma visão materialista da história, foi apropriado por um indivíduo, grupo ou classe social para o exercício da dominação e da sujeição de outros. Em História da Sexualidade I: a vontade de saber (2012) ele escreve: “Dizendo poder, não quero significar ‘o poder’, como um conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um estado determinado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não o entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais." (1993, p. 88-89). A noção de repressão é totalmente inadequada para dar conta daquilo que há de produtor no poder. Se o poder fosse somente repressivo e dissesse apenas não, não seria obedecido. Tem que ser considerado como uma rede produtiva que perpassa todo o corpo social, que “produz coisas, induz prazer, forma saber, produz discursos” (Diáz, 2012). Para Foucault, nem o controle nem a destruição do aparelho do Estado seriam suficientes para fazer desaparecer ou transformar, em suas características fundamentais, a rede de relações de poderes que impera em uma dada sociedade . Destarte, em vez de coisas, o poder é um conjunto de relações; em vez de derivar de uma superioridade, o poder produz a assimetria; em vez de se exercer de forma intermitente, ele se exerce permanentemente; em vez de agir de cima para baixo, submetendo, ele se irradia de baixo para cima, sustentando as instâncias de autoridade; em vez de esmagar e confiscar, ele incentiva e faz produzir. É notório para Foucault que o poder e o saber caminham lado a lado. Todo saber é político e se origina das relações de poder. Saber e poder se implicam mutuamente: todo lugar de exercício do poder é, ao mesmo tempo, espaço de construção do saber. Foucault chega à conclusão que as ciências humanas (fase de investigação arqueológica) nascem das técnicas disciplinares. O saber é uma peça de um dispositivo político que, enquanto dispositivo, articula-se com a estrutura econômica – que necessita da disciplina ou do poder disciplinar para maximizar a produção, tornando o ser humano mais agente produtivo do que agente político de transformação. A fase genealógica, entre outras coisas, discute a questão do biopoder. Se a disciplina está na origem das ciências humanas, o biopoder está na gênese das ciências sociais (a Geografia, a Demografia, a Economia, a Estatística). Ele é um tipo de poder que se exerce no nível da espécie: o controle da população via sexo é cada vez mais tratado pelos administradores e demógrafos. O sexo se torna cada vez mais assunto popular, que pode ser falado, mas no intuito de poder controlá-lo em favor da própria espécie. Para concluir, não se pode deixar de fazer referência à estreita relação entre o pensamento de Foucault e o de Nietzsche na fase genealógica . Isso fica evidente na escolha dos temas que o primeiro tratou e que foram anteriormente selecionados pelo segundo. Entre eles, pode-se citar: a culpa, o castigo, a crueldade, a lei, a falta, a pena, a justiça etc. Todos eles de alguma forma relacionados à questão do poder. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. Michel Foucault e a teoria de poder. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 7(1-2): 105-110, outubro-1995; DESCHAMPS, C. As ideias filosóficas contemporâneas na França. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, (1991); DIÁZ, Esther. A filosofia de Michel Foucault. São Paulo: Ed. Unesp, 2012; FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Ed Graal,2012; FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1998.